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Siu Kiu: A terra de sonhos onde se ouviram as canções de antigamente

Siu Kiu: A terra de sonhos onde se ouviram as canções de antigamente
arte e cultura
Vânia Couto, Maria Villanueva, Sandra Pérez, Yoshida Carvalho e Lucas de Centi levaram-nos numa espécie de viagem ao nosso passado musical, naquele que foi o terceiro concerto da temporada do XJazz 2019 – Encontros do Jazz nas Aldeias do Xisto.

"Vai-te embora, ó papão,
De cima desse telhado
Deixa dormir o menino
Um soninho descansado"

Reconhece estes versos? Nós reconhecemos. E reconhecemos também que é difícil, se não impossível, não nos rendermos a vozes doces e afinadas que cantam versos que nos remetem para a infância, aquele tempo em que fomos felizes e nos põe a sorrir sempre que nos chega à memória.

Com o projeto Siu Kiu, Vânia Couto e Maria Villanueva, acompanhadas pela percussionista Sandra Pérez, o baixista Yoshida Carvalho e o vibrafonista Lucas de Centi, levaram-nos numa espécie de viagem ao nosso passado musical, naquele que foi o terceiro concerto da temporada do XJazz 2019 – Encontros do Jazz nas Aldeias do Xisto, que decorreu a 4 de agosto na Aldeia do Xisto da Barroca.

Não somos só nós que o dizemos. O espetáculo cativou todos quantos se juntaram para ouvir o resultado da residência de criação que os artistas desenvolveram na Aldeia, no final de julho e princípio de agosto.

"Foi um concerto espetacular, com cantigas de antigamente. Quando ouvi a música do papão, pensei logo ‘era com esta música que embalava os miúdos’”, relembrou uma habitante da Barroca. “A Farrapeira”, das Adufeiras da Casa do Povo do Paul, foi outra das músicas que reconheceu.

Maria Cruz veio do Fundão para viver um Domingo no Mundo das Aldeias do Xisto. Participou na caminhada de Janeiro de Cima, assistiu à prova de perícia com barcas tradicionais e terminou o dia na Aldeia do Xisto da Barroca para ouvir este espetáculo. “Adorei. Esta foi uma excelente forma de terminar o dia, ir para casa e ficar na bolha a reviver tudo isto”, partilhou. "É bom desassossegar as pessoas e, ao mesmo tempo, é essencial trazê-las para o que é a sua raiz. A partilha de novas culturas com as tradições é fundamental para a preservação e valorização do nosso saber beirão”, defende.

Foi também na Casa Grande, sede das Aldeias do Xisto, que Cândida Gil e o marido, Joaquim Gil Antunes, habitantes da Barroca, passaram o fim do dia. “Cantam muito bem e reconheci algumas das músicas interpretadas, como ‘A Farrapeira’”, diz Cândida. “Gostei muito e acho muito bem que estas coisas aconteçam. Dão vida à aldeia”, considera. No mesmo sentido vai o discurso de Joaquim. “É bom quando há gente nas aldeias e que haja coisas das quais podemos usufruir. É uma maneira de a nossa cultura se manifestar”, afirma.


Uma terra de sonhos

Siu Kiu é uma terra de sonhos que faz parte do imaginário da artista argentina Maria Elena Walsh, onde instrumentos com formas estranhas libertam sons que encantam todos quantos os ouvem. Foi precisamente esse o nome que Vânia Couto e Maria Villanueva escolheram para o seu projeto, através do qual procuram recolher, criar, intervir e explorar todas as possibilidades sonoras.

Para a residência de criação do XJazz, propuseram-se recolher músicas tradicionais galegas e portuguesas cantadas ou feitas por mulheres, que refletissem o antigo modo de vida daquelas que têm agora entre 60 a 70 anos, comparando-o com os dias que correm. Durante cerca de mês e meio, percorreram várias aldeias, falaram com muitas pessoas e recolheram muito material,tendo contado, por exemplo com a colaboração e apoio de Leonor Narciso, em Portugal, e de Alba Amoedo e Ilda Amoedo, na aldeia galega das Cortellas.

Na Aldeia do Xisto da Barroca, os músicos apresentaram-se ao público acompanhados de instrumentos musicais mais ou menos familiares, como as guitarras, o adufe ou os chocalhos, mas recorreram também a objetos que, normalmente, não encontramos em espetáculos musicais, como pinhas e peneiras e panelas com água.

O repertório apresentado reflete também o lado criativo e até o gosto pessoal das artistas. Nalguns casos, introduziram novas estrofes, noutros misturaram músicas, mantendo-se, contudo, sempre fiéis ao que viram e ouviram durante a recolha. Encontraram, por exemplo, “quadras muito interventivas”, um exemplo que procuraram seguir na versão que criaram.

Às memórias mais antigas, juntam-se agora novas. “Falámos com muita gente e, quando dávamos por nós, estávamos na casa das pessoas. É das partes mais bonitas e criam-se momentos muito íntimos”, conta Vânia ao público presente. Foi, de resto, algo que aconteceu ao longo de todo o espetáculo. A cada música juntou-se uma breve história ou explicação, com Vânia e Maria a partilharem com o público o entusiasmo e alegria com que viveram todo o processo de criação.

Estivemos com pessoas e em lugares incríveis. Levamos daqui muitas memórias boas", garante Vânia.

Depois de “muitas horas de trabalho e gravação”, a recolha vai dar origem a um “álbum pensado na música tradicional, mas focado na mulher, em como cantava e como era nesse tempo”, conta Vânia, acrescentando que conta com participações que são “a cereja no topo do bolo”: as Adufeiras do Paul, Maria João e Catarina Moura emprestaram as vozes a um trabalho que promete mostrar, de forma suave e bem entrosada, a riqueza musical das regiões por onde passaram, assim como a singularidade de cada um dos artistas que contribuíram para o projeto. Porque, nas palavras de Vânia Couto, “este projeto já não é só meu e da Maria. Agora é de nós os cinco”.

Maria Villanueva recorda que “foi muito difícil escolher” as músicas para o disco. “Tínhamos muito material, mais do que era suposto para um álbum e havia músicas muito bonitas”, diz. Agora que o trabalho está pronto, mostra-se confiante na aposta. Uma ideia, de resto, partilhada pelos restantes elementos. “O trabalho no estúdio foi difícil, mas demos o nosso melhor e vai sair um trabalho bom e coerente”, considera Yoshida Carvalho.  Por seu turno, Sandra Pérez, a percussionista de serviço fala num “trabalho muito intenso”, que vai revelar-se num “álbum super bom”. Lucas de Centi concorda com o que vai sendo dito. “Só gostava de ter podido desfrutar mais da região e ver mais coisas”, remata.

Sons que contam histórias

O XJazz é uma “ideia agregadora” que reflete a “vontade trazer gente de fora do território, atribuir-lhe novos significados e fazer com que os habitantes das aldeias se sintam orgulhosos daquilo que é seu”, diz José Miguel Pereira, do Jazz ao Centro ao Clube que, com a ADXTUR- Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto, promove o XJazz.

Não é de ânimo leve que falamos de imersão. Queremos mesmo que os artistas venham, sintam e conheçam o território através do som. 

Assim, torna-se possível “aferir a riqueza do património sonoro e das histórias das aldeias”, acrescenta. Segundo José Miguel, este é um passo para que outros artistas se possam “apropriar” das paisagens sonoras das Aldeias do Xisto, estabelecendo uma relação próxima com o território e dar origem a novas criações.

Falta-nos dizer que o lançamento do álbum está previsto para outubro. Nós, que pudemos ouvir esta apresentação em primeira mão, dizemos-lhe só isto: Se gosta de música, fique atento. Não se vai arrepender.


Texto: Andreia Gonçalves

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