Couve, bacalhau, azeite e vinho novos temperados com alegria e boa disposição são os ingredientes que se servem na Lagarada da Malhada Velha, concelho do Fundão, uma tradição assinalada todos os anos, depois da época da azeitona. Ninguém se lembra muito bem há quanto tempo começou, mas sabe-se que, pelo menos desde que há lagar na aldeia, há Lagarada.
A colheita da azeitona é um “trabalho duro e esta era uma forma de as pessoas festejarem o fim da época e conviverem”, explica Filipe Gonçalves, responsável pela Olho Vivo – Associação de Caça e Pesca, entidade que organiza a iniciativa. Inicialmente restrita aos donos do lagar, a iniciativa foi evoluindo e, ao longos dos anos, pelas mãos da Olho Vivo, foi-se alargando à comunidade. A ideia é “não deixar morrer uma tradição da aldeia, em as pessoas querem sempre marcar presença”, enfatiza.
Interessa-nos tudo o que seja a nossa cultura e as nossas tradições.
Nas últimas edições, são já muitos os participantes que vêm de fora para jantar em pleno lagar e, depois, percorrer as ruas da aldeia, de adega em adega, provando o vinho novo e as iguarias gastronómicas preparadas propositadamente. É o caso de Adelaide Abreu, José Maria Abreu e Rosalina Castro que vieram de Guimarães. “Conhecemos muito bem o país e pesquisamos muito. Vejo muita televisão e telefono para as câmaras e juntas para saber o que se está a passar”, conta Adelaide. Reservaram o fim de semana para passear pela região, onde já estiveram em outras ocasiões. Antes de chegarem à Lagarada, passaram por Vila Nova de Poiares para comer chanfana e visitaram o Museu das Minas da Panasqueira. O Bodo em Honra de São Sebastião, em Janeiro de Cima, estava nos planos para o dia seguinte.
O convívio, a boa disposição e o caloroso acolhimento são os aspetos que destacam da visita. “É isto que nos caracteriza enquanto portugueses”, defende Adelaide. “Sentimo-nos bem a conhecer pessoas e é uma forma de, quando aqui voltarmos, já encontrarmos caras conhecidas”, remata. “Estou no meu mundo. Que maravilha! Estou encantada”, completou Rosalina. José Maria Abreu vai acenando com a cabeça, mostrando que está de acordo com o discurso das senhoras.
Gosto pela tradição reúne 80 pessoas
É precisamente o gosto pela tradição que, ano após ano, reúne as famílias, os amigos e os amigos dos amigos para a Lagarada. Este ano, a 19 de janeiro, juntaram-se cerca de 80 pessoas. Mesmo com as previsões de chuva, que vieram a verificar-se, a participação ficou dentro do esperado, segundo Filipe Gonçalves. Depois de, em 2018, se terem contado cerca de centena e meia de participantes, este ano foi necessário limitar o número de inscrições. Garante-se assim “que a atividade não se degrada e que há condições para receber bem”, proporcionando a todos uma experiência de qualidade.
Depois do jantar, os tocadores de concertina, contratados para animar a festa, depressa ganharam a atenção de todos os presentes. Formou-se uma roda em seu torno e, em pouco tempo, dividiam o protagonismo com os habitantes da aldeia que deram início às tradicionais “desgarradas”.
No meio da música, do convívio e da boa disposição, há ainda espaço para o negócio. Numa videochamada, um dos participantes mostrava à mãe, que se encontra em Israel, tudo o que acontecia no Lagar da Malhada Velha. E assim se venderam 5 litros de azeite para fora do país.
É então tempo de percorrer as adegas e provar o vinho novo. Este ano, foram seis as adegas percorridas. Manuel Agostinho, Manuel Antunes, Paulo Freire, Dionísio Gonçalves, Filipe Gonçalves e António Gonçalves abriram as portas e rechearam as mesas com comida e bebida, recebendo generosamente todos os participantes. “É um gosto e um orgulho receber as pessoas em minha casa”, conta Dionísio Gonçalves. Na adega que construiu com as próprias mãos, precisamente a pensar no convívio entre familiares e amigos, Dionísio explica que "esta é uma tradição como já há poucas e que não pode acabar", e por isso, faz questão de participar.
Manuel Agostinho e António Gonçalves não só abrem as portas das suas adegas, como fazem questão de, todos os anos, contribuírem para o jantar. São eles os mestres da culinária e, com a ajuda de outros habitantes, cozinham a famosa “couvada” com bacalhau, bem regada com azeite novo. E, claro, a acompanhar o vinho, também ele novo. Sem trabalho, "tudo morre" e ambos fazem questão de garantir que a tradição ainda é o que era.
Não há fome nem sede que sobreviva à Lagarada e, mais semana menos semana, o encontro ficará já marcado para o início do próximo ano.
Texto: Andreia Gonçalves