No dia 18 de junho de 2018, para assinalar o primeiro aniversário do violento incêndio, a comunidade da Aldeia do Xisto de Ferraria de São João, no concelho de Penela, juntou-se e convidou alguns amigos para honrar a memória, celebrar a vida e a confiança, e partilhar o que foi conseguido desde então. E foi muito.
É impossível não sentir um nó na garganta enquanto se conduz através de uma paisagem ainda crivada de troncos negros e curvados. Passou um ano e as memórias ainda latejam e fazem subir a tristeza à boca. É inevitável, e talvez sempre assim seja, principalmente em todos os dias 17 de junho, como este primeiro de 2018 enquanto nos dirigimos para a Aldeia do Xisto de Ferraria de São João, no concelho de Penela. Ali, mais do que parceiros temos amigos. Tiveram a sorte que outros não tiveram, porque o fogo também lhes andou a lamber as casas e ameaçou a vida. Arrepia pensar nisso. Deixa-nos um medo no sangue que só se combate resistindo e celebrando a vida juntos. Foi isso que esta comunidade se decidiu a fazer logo dois dias após a passagem do fogo, ainda fumegava a terra. Os moradores decidiram que não queriam reviver estes momentos traumáticos e mobilizaram-se para a proteção da aldeia.
Os proprietários dos terrenos adjacentes à aldeia acederam a que se arrancassem milhares de eucaliptos e se plantassem árvores autóctones mais resistentes ao fogo, de forma ordenada e numa faixa de 100 metros em redor do núcleo urbano. Foram também mantidas centenas de sobreiros e carvalhos sobreviventes, tendo em vista a implementação e gestão conjunta e sustentável dos terrenos desta zona. Surgiu a ZPA- Zona de Proteção da Aldeia, um projeto apoiado pela Câmara Municipal de Penela e pela ADXTUR- Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto.
Fazer acontecer... e apoiar tudo o que aí acontece
Nesse dia de manhã, o ponto de encontro foi no Centro de BTT, logo à entrada da aldeia. Aí se juntaram os Amigos da Ferraria de São, proprietários dos terrenos, responsáveis do Município de Penela e da ADXTUR- Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto. O primeiro ato formal foi o descerrar da placa que informa todos os visitantes do que já foi conseguido ao longo de um ano de ZPA. Ali se vê um esquema da aldeia e dos terrenos adjacentes replantados. A ZPA tem uma área total de 15ha, tendo sido feita a reflorestação em 9ha. Para tal foram necessárias cerca de 15 reuniões comunitárias, envolvendo 77 proprietários com 255 parcelas de terreno identificadas (até março 2018). Foram arrancados 70 a 80 mil eucaliptos e pinheiros e plantados 500 sobreiros, carvalhos, medronheiros, azereiros, castanheiros, nogueiras e cerejeiras, que se juntam aos mil sobreiros já existentes. Os movimentos de solidariedade foram muitos, por isso este trabalho contou com cerca de 500 voluntários ao longo de 17 ações na aldeia.
"Apoiamos desde o início o que esta comunidade aqui está a fazer e continuaremos a apoiar", disse Rui Simão, coordenador da ADXTUR. Já Luís Matias, presidente da Câmara Municipal de Penela, disse que a Ferraria de São João "deu um exemplo ao país" de "amor pela terra" e de tomar o destino nas suas mãos "não esperando pelas entidade públicas". "Essa é também uma grande responsabilidade", concluiu.
Um dos momentos mais emotivos do dia aconteceu durante a plantação simbólica de um sobreiro em memória das vítimas do incêndio de 17 de junho de 2017. Todo o grupo ajudou com as enxadas e baldes de água. As palavras eram poucas. As crianças foram quem mais participou, evidenciando a vontade de olhar em frente, de semear o futuro, de honrar os que partiram com a alegria de manter viva a terra.
Cumpriu-se um minuto de silêncio antes de um passeio pela zona envolvente da aldeia, onde é bem visível o trabalho de moradores e voluntários. A terra está limpa, vê-se uma extensão de canudos que protegem as árvores recém-plantadas, interrompida apenas por algumas árvores em recuperação, ainda chamuscadas. São sobreiros e outras árvores que resistiram e não foram arrancadas.
Comunhão
O dia terminou no sobreiral centenário, uma das imagens de marca da aldeia e a única zona por onde o fogo não passou. Se outras evidências faltassem, esta é inegável. Este é um sítio mágico, sente-se uma presença muito forte da natureza, um abraço protetor sob aquela cúpula de ramos e folhas por onde a luz desenha um mosaico no chão de pedras, musgo e vegetação.
É daqui que brota a tranquilidade inamovível desta aldeia, aqui ligamo-nos à matéria que nos anima, aqui estamos em casa. Foi aqui que todas as pessoas se uniram em comunhão numa missa campal, homenageando as vítimas e celebrando a alegria, a força e a confiança que continua a unir a comunidade da Ferraria de São João.
Texto e fotos: Bruno Ramos