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Aldeias: Do xisto para o mundo

Aldeias: Do xisto para o mundo
aldeias e território
O Seminário Visões para o Futuro das Aldeias do Xisto reuniu personalidades de diversas áreas. Marcelo Rebelo de Sousa surpreendeu com a sua presença e contribuiu para a reflexão.

“O projeto das Aldeias do Xisto não rende votos, mas rende algo muito mais importante do que isso. Aponta para o futuro. Esta solução é magnífica: ao juntar administração central, autarquias, universidades, associações, comunidades, várias gerações e aproveitando um património riquíssimo, não podia ser mais transversal”. As palavras são do Presidente da República, que, no dia 18 de janeiro, surpreendeu organização e participantes do Seminário Visões para o Futuro das Aldeias do Xisto, organizado pela ADXTUR- Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto, que decorreu no Museu de Arte Popular, em Lisboa, e debateu o papel das aldeias nos caminhos do futuro em Portugal e no mundo.

Marcelo Rebelo de Sousa deslocou-se ao local sem aviso prévio para visitar a exposição Agricultura Lusitana, algo que faz nas suas raras horas vagas, confessou. Convidado a abrir os trabalhos da parte da tarde, deu o seu contributo para a reflexão. “As Aldeias do Xisto são um projeto para Portugal, e até para o mundo, porque mostram como o país tem mudado para melhor”, disse. Salientou ainda a importância de uma estratégia de atuação que galga fronteiras e divisões administrativas clássicas.

“É preciso pegar neste exemplo, que é piloto, e partilhá-lo nas comunidades e fora delas, torná-lo conhecido e dar-lhe sustentabilidade económica e social, permitindo às comunidades viver não do passado, mas com o passado, no presente, viradas para o futuro. Esta exposição já andou por muitos lados, mas é importante que o conceito seja agora entendido cá dentro”. 

O Presidente da República partiu sob fortes aplausos, garantindo que esta "incursão surpresa" lhe proporcionou “um prazer metafísico ilimitado”.

Continuidade num caminho labiríntico

O posicionamento e a abertura da ADXTUR ganharam a admiração de Adélia Borges. “Uma iniciativa muito corajosa”, que expõe o projeto à análise de terceiros sem receios, considerou a crítica, curadora e historiadora de design e artesanato. “As Aldeias do Xisto são um caleidoscópio de iniciativas que contribuem para a valorização do território”, necessitando agora de entrar em "vôo de cruzeiro" para dar sustentabilidade e encontrar novas formas de rendimento, concluiu. Para a especialista brasileira, o desafio passa agora por saber lidar com a “identidade em constante movimento”, em “continuidade”.

Continuidade foi, de resto, uma palavra que se ouviu por diversas vezes ao longo do dia. Também Bárbara Coutinho, diretora do MUDE- Museu do Design e da Moda, a destaca como o principal desafio para o futuro. Como pode esta “coleção de objetos únicos contribuir para a sustentabilidade das Aldeias do Xisto e para a autoestima de quem os desenvolve?” e ainda “como é que a cultura pode ser um fator de desenvolvimento local e nacional?” foram duas das questões que lançou para a discussão.

A complexidade da resposta a estas e outras interrogações foram realçadas por vários intervenientes. O vice-reitor da Universidade de Aveiro para a Cooperação Regional entende que “sítios como as Aldeias do Xisto têm de jogar com contradições: passado e futuro, tradição e inovação. É uma combinação difícil, mas o contraditório é necessário”. Para Eduardo Anselmo de Castro, “a segunda habitação é uma forma fundamental para alimentar estes sítios”, sendo que “a interação” entre novos e velhos habitantes “gera uma nova autenticidade”. Partindo do conceito de inovação, que depende da conjugação de múltiplos fatores sobre os quais importa atuar, o vice-reitor da Universidade de Aveiro concluiu que a ADXTUR tem sido capaz de experimentar novos caminhos e de cerzir novas oportunidades.

Labirinto foi um dos conceitos escolhidos por Álvaro Domingues e Maria Ana Botelho Neves para ilustrar a complexidade do caminho. “O caminho são labirintos”, afirmou o geógrafo, sublinhando que “este é um autêntico desafio de reinvenção das coisas, que deve tratar as memórias e os lugares com respeito”. E, nesse aspeto, frisou que o trabalho que a ADXTUR tem vindo a desenvolver é feito "muito às claras, sem retórica". Por seu turno, a designer e investigadora da Universidade de Bangor, alerta: “Não há soluções perfeitas. Há labirintos, vamo-nos perder e só entra por esses caminhos quem tem coragem”. Maria Ana Botelho Neves realçou ainda que as Aldeias do Xisto representam a prática de ideias que, na Europa, estão ainda a ser teorizadas.

Para Francisco Providência, designer e docente da Universidade de Aveiro “os caminhos que possam garantir a sustentabilidade das Aldeias do Xisto serão tanto as autoestradas como os caminhos de cabra”. Alertando, deste modo, para a diversidade de opções, considera que a “dinamização do design e do artesanato, não perdendo de vista as características de cada um deles”, pode ser uma delas. O designer Henrique Cayatte evidenciou ainda o simbolismo da realização do Seminário no Museu de Arte Popular, evocando a história da Exposição do Mundo Português, em 1940.

O luxo do século XXI

Autenticidade, exclusividade, singularidade. Uma combinação que representa, segundo o presidente do Turismo Centro de Portugal, “o luxo do século XXI” e que vai garantir o sucesso “desta cruzada”. A natureza e a biodiversidade, o bem-estar, a gastronomia e os vinhos, as manifestações artístico-culturais, desportivas ou de negócios e as pessoas são alguns dos ativos estratégicos identificados por Pedro Machado e nos quais é preciso apostar em força. “Tirando o mar, há tudo isto nas Aldeias do Xisto”, constata.

Pedro Pedrosa, CEO da A2Z Adventures, defende que a aposta no turismo de natureza é um dos pilares da captação de público para as aldeias. “É essencial que haja atividade económica e o turismo de natureza tem essa capacidade”, considera. A “aposta em programas que combatam a sazonalidade e que vão ao encontro daquilo que as pessoas procuram”, como pode ser feito, por exemplo, em torno da bicicleta elétrica, são algumas das possibilidades que coloca. Trata-se de “transformar o território em desejos”.

“Para que as aldeias tenham vida, não basta terem casas recuperadas. Além das estruturas física, têm de existir outras funcionalidades. Na Cerdeira, a aposta foi na criação de postos de trabalho e nas artes”, refere o co-fundador da Cerdeira – Home for Creativity. Para José Serra, a existência de fibra ótica ou de postos de carregamento elétrico são, por exemplo, duas questões que têm de ser resolvidas para se cumprir o principal objetivo: “que as aldeias sejam habitadas permanentemente”.

Porque para refletir é importante saber o que se faz e o que se passa, o programa do Seminário incluiu a apresentação em pitchs rápidos de 5 minutos de vários projetos que refletem a diversidade de propostas que as Aldeias do Xisto têm gerado e continuam a gerar para os diferentes mercados. Trabalhos que partem daquilo que são as características mais distintivas de cada lugar e que materializam a criatividade, a experimentação e a inovação. “Estamos sempre a cocriar. Esta é uma das essências que nunca podemos perder”, lembrou Paulo Fernandes, presidente da ADXTUR.

O consórcio improvável, essencial para o País

Foi, de facto, um dia muito enriquecedor. Personalidades nacionais e internacionais de áreas diversas, como o turismo, o design, a geografia e a economia marcaram presença no Seminário Visões para o Futuro das Aldeias do Xisto, contribuindo com o seu conhecimento, as suas análises e perspetivas, as suas críticas construtivas. Foram momentos de partilha cruciais na procura pelo caminho que se pretende continuar a trilhar. “Perguntas muito interessantes andaram por aqui a pairar”, dizia Paulo Fernandes, presidente da ADXTUR, na sua intervenção final.

“Não desvalorizamos as primeiras impressões, não desvalorizamos nunca a versão de quem nos visita ou contacta pela primeira vez e queremos abrir-nos ainda mais a todos aqueles que queiram contribuir”, garantiu, dando conta que “a diversidade dentro das Aldeias do Xisto traz alguma complexidade na criação de uma receita, de uma solução perfeita”.

É também por isso que, “enquanto mediadores, procuramos trazer sempre outras estruturas e abordagens”. Paulo Fernandes sublinhou ainda a ideia de que este território, onde nasceu o “consórcio mais improvável” e se definiu “o mapa da interioridade”, inverte uma questão de base: “normalmente questionamos o que é que o País pode fazer pelas aldeias, mas este é um território organizado que gera oportunidades e pergunta o que é que as aldeias podem fazer pelo país e pelo seu posicionamento perante o mundo”. Certo é que “as Aldeias do Xisto são úteis e essenciais para o desenvolvimento do país”.

Foi também esta a constatação de Armando Carvalho, antigo coordenador da Ação Integrada de Base Territorial do Pinhal Interior. “A história da ADXTUR mostra como se pode marcar a diferença em territórios onde os recursos podem ser escassos”, referiu na sua intervenção.

Ao apostar em “atividades que promovem os recursos locais” e que, tal como exemplifica o projeto Agricultura Lusitana, recorre a elementos como “criatividade, estratégia, escala de atuação, diferenciação, inovação, parcerias, articulação, contemporaneidade, afetos, que é como quem diz pessoas”, a ADXTUR mostrou “à política o caminho para acabar com os buracos do Interior”.

Uma ideia também vincada por Jorge Brandão, vogal da Comissão Diretiva do Centro2020, já no final, ao reconhecer que as Aldeias do Xisto são uma nova forma de encarar e lidar com a política pública. “São um projeto decisivo para a competitividade da Região Centro e do país” e, como tal, deve continuar a ser apoiado.


Texto: Andreia Gonçalves

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