“…
Andam pelo ar cantigas,
Melodias de encantar
…”
Por estas primeiras semanas de agosto, é particularmente verdade o que apregoa a Marcha de Aldeia das Dez, fixada numa das paredes da Associação de Melhoramentos da aldeia, onde Pedro Melo Alves passou as primeiras duas semanas de agosto.
O músico desenvolveu uma residência artística no âmbito do XJazz – Encontros de Jazz das Aldeias do Xisto, uma iniciativa da ADXTUR - Agência para o Desenvolvimento Turístico das Aldeias do Xisto e do JACC - Jazz ao Centro Clube, tendo-se apresentado ao público no dia 11 de agosto, num espetáculo ao ar livre na Casa da Obra.
“Originalmente, a ideia era fazer uma residência artística de composição, algo pouco comum em Portugal”, começa por explicar Pedro Melo Alves. Durante os dias que passou na aldeia, aproveitou para desenvolver e finalizar o projeto a solo que começou em janeiro e apresentou em fevereiro no Porto.
“O projeto surge de várias coisas: na vertente técnica, explora as possibilidades da eletrónica em tempo real”, adianta. Não é a primeira vez que recorre à eletrónica, mas este solo é um “catalisador”, um “laboratório”, onde reúne várias experiências.
Paralelamente, aproveitou para preparar os próximos meses e os vários projetos em que está envolvido. “O próximo ano vai ser cósmico”, ouvimo-lo dizer enquanto preparava a montagem do espetáculo.
“Esta residência artística é o culminar de um processo de consolidação de experiências e experimentar mais”.
O experimentalismo é, porventura, uma das características que marca o trabalho de Pedro Melo Alves. Não é estanque, não se alimenta de clichés, procura constantemente novas formas musicais e sonoridades diferentes e introduz elementos que, à partida, em nada se relacionam com música.
É, por exemplo, o caso de uma lâmina de serra elétrica. Conta que a encontrou numa noite, no Porto, em que havia muita agitação na rua, e a levou para casa para evitar que alguém se aleijasse. Acabou por descobrir que produzia um som que se encaixava “muito bem” no trabalho que está a desenvolver. No meio da parafernália musical, encontram-se ainda garfos e tachos.
Ao longo do espetáculo que preparou para a Aldeia das Dez, Melo Alves vai cruzando o “lado mundano e leve da vida com a perspetiva macro do quanto isto nem sempre faz sentido quando visto o quadro maior”.
Tal como a vida, o espetáculo apresenta momentos de acalmia, que quase convidam o público a fechar os olhos e relaxar, surpreendentemente interrompidos por momentos intensos e algo agressivos que fazem disparar os batimentos cardíacos.
Das duas semanas que passou na Aldeia das Dez leva o aconchego do “acolhimento incrível” que encontrou. “É uma aldeia pequena, com todas as vantagens naturais desses locais”.
Aproveitou a estadia para conviver com os habitantes e conhecer a aldeia, reunindo “o melhor de dois mundos: acompanhamento e apoio, por um lado, e espaço de reclusão para trabalhar sem horários, por outro”.
Uma música "diferente"
Pouco antes do espetáculo, Pedro Melo Alves confessava ter “dúvidas quanto à recetividade, por ser algo mais moderno, menos óbvio”. Reforça, por isso, a ideia de que acredita “que isto não é só para alguns”.
Neste contexto, afirma a seriedade e profundidade do trabalho que desenvolve.
“Estou a tentar aceder a um lado das pessoas que é tão universal quanto é o espectro das emoções humanas. Não é o estranho pelo estranho, não é gratuito. Há um lado de procura e quero comunicar coisas reais e criar expressões artísticas para as pessoas reais dos dias de hoje. No final, gostava que as pessoas dissessem que isto foi uma viagem”.
Foi precisamente para a “música diferente daquela que ouvimos no dia-a-dia” que o presidente da Junta de Freguesia da Aldeia das Dez alertou. Carlos Castanheira frisou, contudo, que “é importante trazer até nós uma diversificação da cultura” e, por isso, abre as portas da aldeia a outras iniciativas do género.
Paula Ferreira aceitou o convite que tem vindo a ser feito por várias entidades do Interior Centro e veio de Aveiro para passar uns dias na Aldeia das Dez. Teve conhecimento do concerto enquanto passeava pelas ruas e aproveitou para fazer um programa diferente.
“É uma sonoridade diferente, mas gostei muito”. E tinha até uma sugestão para o artista, a quem se dirigiu no fim. “Já que se trata de uma viagem introspetiva, seria interessante introduzir um didgeridoo”, considera.
Dali de perto, da Ponte das Três Entradas, vieram Milena e Francisco com os filhos Tomás e Pedro. Não conheciam o trabalho de Pedro Melo Alves, mas, logo que viram os cartazes e começaram a pesquisar, ficaram interessados.
“Gostei muito do concerto”, diz Milena. Tomás e Pedro concordam timidamente e Francisco realça a magia do cenário que acolheu o espetáculo, a Casa da Obra, ou “o nosso coliseu”, como lhe chamou Carlos Castanheira.
“Ainda me lembro do dono. Era o D. Francisco. Verão ou inverno, andava sempre de samarra e tinha uma mota a pedais. Dava-me 100 escudos para por gasolina e deixava-me andar por aí a passear. Seria interessante que aqui acontecessem mais iniciativas”.
Talvez por isso, ambos se mostram entusiasmados com a reabilitação do espaço, referida pelo autarca momentos antes do início do espetáculo.
“Em breve, vão começar as obras, com a ajuda das Aldeias do Xisto, que tornam possíveis alguns melhoramentos, quer no espaço, quer na zona envolvente, mantendo-se a traça”, explicou Carlos Castanheira. “É um espaço que queremos ter disponível para receber os nossos familiares e visitantes”, sublinha.
Oriundo da Aldeia das Dez, mas residente em Coimbra, José Reis reuniu família e amigos e rumou às origens para ouvir Pedro Melo Alves. “Gostámos muito”, dizem quase em uníssono. As crianças acenam com a cabeça, concordando. José Reis elogia a iniciativa e espera que "seja para continuar”.
“Estamos isolados, portanto qualquer evento é bem-vindo. É uma maneira de trazer gente, que há cada vez menos”, diz Helena Pires Batista, habitante na aldeia onde mantém um pequeno estabelecimento comercial e que fez questão de marcar presença no espetáculo que encheu e deu vida à Casa da Obra.
Nos dias em que permaneceu na aldeia após o espetáculo, Pedro Melo Alves sentiu que "as pessoas se conectaram com esta experiência mais introspetiva e viajaram". Uma viagem que será registada em álbum.
"Foi tudo o que tinha de ser", conclui, satisfeito.
Texto e fotos:
Andreia Gonçalves