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Arte, paisagem e a vontade de seguir caminho

12 mai 2023
Arte, paisagem e a vontade de seguir caminho
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As Aldeias do Xisto juntaram-se aos parceiros espanhóis e franceses do projeto Europa Criativa, na região de Dignes-les-Bains, França, para o primeiro encontro presencial.

Arte, paisagem, cultura, natureza, criatividade, experimentação. Foi entre estes elementos que estivemos entre 30 de março e 2 de abril, lançando assim a participação das Aldeias do Xisto no Projeto Europa Criativa, candidatado pelo Projeto Entre Serras, com o tema “Habitar e mover-se em territórios de montanha”.

Foi na região de Dignes les Bains, França, que nos reunimos aos parceiros franceses e espanhóis com os quais vamos, ao longo dos próximos três anos, percorrer um caminho cujo cenário é a natureza que nos envolve e que se pretende que seja uma galeria de arte a céu aberto.

Diferentes projetos, diversas entidades, variados contextos. Mas também vontades comuns: continuar a reivindicar o importante lugar da ruralidade no desenvolvimento turístico e territorial e a apostar em projetos que, através da arte, incentivem a ligação das pessoas aos lugares, à terra, à paisagem e à natureza envolventes, de forma sustentável, útil e duradoura.

Esta foi uma viagem a França, mas podia ter sido a outro lugar. As conversas entre os vários elementos, que alternavam entre as línguas nativas em convívio (e, às vezes tudo à mistura), rapidamente nos levavam até Portugal, Espanha e Brasil, numa partilha rica e generosa de experiências e vivências, que nos mostram e comprovam que cada parte é importante para o todo.

Ao longo de três dias, visitámos obras de arte ao ar livre, exposições, museus e negócios familiares, percorremos trilhos milenares, observámos a montanha, conhecemos artistas que, de diferentes maneiras, fazem da natureza a sua matéria prima, encontrámo-nos com dirigentes locais, ouvimos histórias deste e de outros tempos, partilhámos vivências e conhecimentos. Tivemos a certeza que vamos no caminho certo e, sobretudo, ficámos contentes por sabermos que não estamos sozinhos.

Além de Portugal, o projeto, liderado pelo Instituto Politécnico Técnico de Lisboa, através do Museu da Paisagem, conta com parceiros de Espanha e França. Do lado português, juntam-se as Aldeias do Xisto, o Geopark Estrela e a Câmara Municipal de Castelo Branco, através da Fábrica da Criatividade. Os parceiros franceses são o Município de Digne-les-Bains, nos Alpes de Haute Provence, através do CAIRN - Centro de Arte Informal de Pesquisa sobre Natureza, da Maison Alexandra David-Neel e do Musée Gassendi, e a École Supérieure d'Art d'Aix-en-Provence. Os parceiros espanhóis são o Museo Vostell Malpartida e o Ayuntamento de Malpartida de Cáceres, através do Centro de Vias Pecuárias. 

No âmbito deste projeto, entre 2023 e 2026, as Aldeias do Xisto vão receber residências artísticas e workshops, reforçando o seu papel de laboratório vivo e de território aberto à experimentação. A ligação à natureza e às comunidades, o questionamento da paisagem e as linhas de interseção entre arte e ruralidade continuam a ser os vetores que norteiam a estratégia de acolhimento artístico no território.
 

DIÁRIO DE BORDO

Dia 1 | 30 de março

Voámos bem cedo para Marselha, onde nos encontrámos com os parceiros espanhóis. Rumámos, depois, ao albergue que nos acolheu, em Bois Gonin, no sopé de uma das muitas montanhas que rodeiam a região. Pelo caminho, paragem em Aix-en-Provence para visitarmos a École Supérieure d'Art d'Aix-en-Provence. No final do dia, houve ainda tempo para um passeio nas redondezas do alojamento, onde pudemos constatar a imponência da montanha e a sua forte influência na paisagem. O acolhedor bar da aldeia de Auzet foi o cenário para a apresentação do programa e dos parceiros que, pela primeira vez, se encontram presencialmente.

Dia 2 | 31 de março

O dia começou no CAIRN - Centre d'Art Informel de Recherche sur la Nature, com a visita à exposição de Hamish Fulton, artista que produz arte a partir do que vê e sente durante as suas caminhadas, sem interferir na paisagem ou na natureza. Nesta exposição, apresenta obras alusivas a uma caminhada sagrada - Kora - pelo Tibete, assumindo uma faceta ativista, dando, por exemplo, a conhecer histórias de repressão e ataques à liberdade de expressão, desconhecidas no ocidente. 

Seguiu-se um passeio pelo Geopark Haute-Provence. Num roteiro mais ou menos livre, circulámos pelos trilhos e vimos como, aproveitando os recursos naturais, a arte se mistura com a paisagem, sem se tornar invasiva ou artificial.

Fomos, depois, conhecer a obra Le Bassin de la Bléone Roches et Matériaux (tradução livre: Rochas e materiais da bacia do Bléone), de Lara Almarcegui. Integrado no espaço público, trata-se de um projeto que matematiza as imagens que, habitualmente, nos assaltam quando pensamos num rio. Para os cálculos, realizados pelo Bureau of Geological and Mining Research (Departamento de Investigação Geológica e Mineira), foram efetuadas medições por drones equipados com radares. Os números que vê na imagem da galeria mostraram-se difíceis de verbalizar com a equipa “multilinguística” a trocar impressões de como se dizem.

Depois de almoço, chegou a hora de visitar a Casa Alexandra David-Neel, uma viagem eloquentemente guiada pela vida de uma mulher surpreendente, que não se deixou prender a crenças, tradições ou ideias preconcebidas e seguiu o seu caminho sem hesitar. Não será ousado dizer que todos nós saímos impressionados com as histórias que ali ouvimos.

Para terminar o dia, visitámos o complexo termal que acolheu a primeira reunião presencial entre todos os parceiros do projeto. Analisou-se a linha de ações, alinhou-se a estratégia, definiram-se objetivos, esclareceram-se dúvidas. No final, a convicção de que é com empenho que se encara o muito que há para fazer.

Dia 3 | 1 de abril

Começámos com um pequeno-almoço em Auzet. Juntou-se a nós o antigo autarca da aldeia, que nos deu a conhecer os vários projetos que desenvolveu no sentido de captar mais habitantes. A exploração agrícola, a criação de atividades, como o Centro de Música, direcionado sobretudo para os mais novos, e de infraestruturas turísticas, como albergues e percursos pedestres, ou ainda o incentivo à utilização do território para atividades científicas foram algumas das iniciativas que fizeram com o número de habitantes tenha subido de 30 para 100 nos últimos anos, verificando-se um rejuvenescimento da população.

Partimos em direção a Puimoisson, para um almoço-piquenique integrado na inauguração da exposição “Au-delá du paysage”, de T. Roeskens e Elsa Noyons. Esta obra, composta por vários painéis gravados nas paredes de uma capela no meio de um monte, mostra percursos utilizados para a transumância, acompanhados por frases, desabafos e partilhas de várias pessoas que os percorreram.

Seguimos para Moustiers Sainte Marie, integrada na rede Les Plus Beaux Villages de France (As mais belas aldeias de França). Relativamente isolada, encontrámos as ruas cheias de vida, graças ao comércio e aos visitantes. A capela de Notre-Dame de Beauvoir, no cimo de um dos penhascos que ladeiam a aldeia e lhe conferem uma atmosfera difícil de descrever, foi um dos nossos destinos.

Para terminar o dia, visitamos o Monastère de Ségriès, um projeto familiar e multigeracional com quase três décadas que começou com a recuperação de um antigo mosteiro. Com 26 quartos e capacidade para receber até 80 pessoas, são várias as atividades e temáticas aqui trabalhadas. Da prática agrícola ao acolhimento e organização de eventos musicais, a sustentabilidade é sempre um dos elementos presentes.

Dia 4 | 2 de abril

Antes de nos despedirmos com um “até breve”, tempo ainda para pararmos e nos deslumbrarmos com um desfiladeiro que nos ficou sempre em caminho e com as mais de 1500 amonites descobertas numa parede com cerca de 320 metros quadrados.

 

Texto: Andreia Gonçalves

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